Eduardo Lourenço Espelho sem Imagem 2000

Texto referente à exposição:
Viagem à Volta de Uma Estação Abandonada - Galeria Antiks Design, Lisboa, 2000

Uma porta está fechada ou aberta. O título da comédia de Musset não convém às portas, aos puros signos de uma pintura sem mais perspectiva do que a que se oferece ao espectador. Sem ser muros, os espaços abertos para quem os olha, expectantes e impassíveis ao mesmo tempo, fecham-se sobre si mesmos. São figuras picturais.

Mesmo a sua evidente alusão a espaços reais, gares estáticas, cais próximos, não os remete para a ordem da significação. São pintura pintada sem intenção de engano ou jogo com a realidade. A sua aparência confunde-se com a sua realidade e é esta constatação de enigma ausente que define e surpreende na paradoxal pintura de Manuel Amado.

O estranho é que esta poética, aquém ou além do silêncio, se inscreve em paragens que sugerem o trânsito, a viagem, gare ou cais à espera de viajantes virtuais.

Mas nem isso a aproxima, mesmo por contraste, de qualquer coisa que de longe ou de perto lembre paixão, vida humana, sonho, na acepção romântica ou romanesca.

E todavia estes quadros não são meramente decorativos. O prazer que suscitam ao espectador é da mesma espécie e qualidade que o de uma certa pintura hiper-realista mas depurada sem nenhuma aura de sociologia à volta.

É um jogo entre a aparência e a sua representação sem ninguém entre os espelhos que de nada vivem senão do jogo de que cada quadro é o elemento e a totalidade.

Claudel disse da pintura que é por excelência a arte do silêncio. A de Manuel Amado é pleonasticamente silenciosa. Não conheço os seus gostos. Não sei se é sensível ou não às seduções culturais que o Ocidente recobre com a referência à metafísica «zen» que não é metafísica nenhuma. A sua música espacial é qualquer coisa que nos instala muito longe da tradição discursiva, hiper-significante, que do romantismo ao expressionismo, ou ao neo-expressionismo, é uma das mais fecundas heranças do Ocidente.

Conscientemente ou não, a pintura de Manuel Amado tem analogias com esse mundo que não pretende significar mais do que a nossa ausência como imaginários donos do que vemos ou nos vê. É uma pintura tranquilizante, calmante, sem deus dentro. Ela é, sem outra ambição explícita, o ícone de si mesma. Podíamos olhá-la como o cúmulo da ingenuidade ou da provocação.

A cada um a sua escolha como numa comédia ou num drama de Pirandello.

O olhar do espectador não se pode furtar à responsabilidade de se julgar na obra que vê. O espelho dela é ele mesmo.