É impossível olhar para a pintura de Manuel Amado sem nos lembrarmos de que é também arquitecto, embora já há dez anos tenha deixado de exercer esta profissão; ou talvez não, porque as suas pinturas são também arquitecturas, mesmo quando nelas não encontramos elementos construídos e apenas vemos representados elementos naturais.
É arquitecto pela forma como sabe criar e recriar espaços e ambientes, e arquitecto pelo rigor visual da sua pintura e é arquitecto pela austeridade das composições.
Mas ao determo-nos mais alongadamente sobre os seus quadros, o pintor vai emergindo da sua aparente e superficial subordinação ao arquitecto. Os traços, que parecem feitos a tira-linhas, estão cheios de pequeníssimas imprecisões. Os jogos de luz e sombra, que parecem duríssimos e quase maniqueístas, revelam-se cheios de subtilezas. As atmosferas, que podem parecer óbvias e cortantes, mostram-se inquietantes e perturbadoras.
As ruas apetecem e convidam, mas ao mesmo tempo interditam. As paisagens entrevistas por portas e janelas atraem-nos, mas afirmam simultaneamente a sua intangibilidade. Há sempre qualquer coisa que leva a outra coisa, há sempre uma sugestão, quase um convite para outra dimensão, umas vezes apontada, outras apenas adivinhada mas é sempre algo que está e não está, algo que afirma e nega no próprio acto da afirmação.
Nestes espaços, embora suscitadores de desassossego e perplexidade, há também lugares de refugio e aconchego nas subtis diferenças de luz da própria sombra, abrigos que nos permitem descansar e refrescar-nos do rigor do Sol, que nos deixam sonhar sem medo de nos perdermos e repousar das aventuras possíveis (ou impossíveis), encontrando alento para percorrer outros caminhos e ousar novos percursos.