Manuel Amado O Conventinho da Arrábida 1998

Texto referente à exposição:
O Conventinho da Arrábida - Fundação Oriente, Casa Garden, Macau, 1998

Perdi-me dos outros enquanto andávamos a entrar e a sair das celas, entre correrias e gargalhadas. Tinha-me demorado dentro de uma delas a imaginar a qual das paredes é que teria estado encostado o catre e, também, se o monge, estando deitado, conseguiria ver o mar longínquo através do pequeno quadrado da janela. Quando saí já não vi ninguém, o som das vozes desvanecera-se na quietude da tarde.

Segui pisando o lajedo irregular de ruelas estreitas, rodas empenadas, que se esgueiravam encostadas à escarpa natural.

Parei junto a uma esquina ao reconhecer a escada que certamente me levaria ao pátio rectangular que se localizava já muito próximo da saída. Lembro-me que nesse pátio iria encontrar à direita as portas do refeitório e da cozinha; e que se atravessasse a cozinha chegaria a outro pátio, esse de forma arredondada e com os pavimentos todos desnivelados, onde vinham desembocar muitos dos percursos daquele labirinto feito para vidas de penitência e meditação.

Mas se ali em baixo virasse à esquerda, recordo-me que iria deparar com uma das entradas para a capela e a boca do túnel escuro, ligeiramente encurvado e revestido a cortiça, que me encaminharia para o portão do pátio exterior, ponto de entrada obrigatório para visitar o convento. Aí fora, ao lado do portão, estaria como sempre a pontificar o monge-sentinela, de mármore, espalmado na parede, de braços em cruz, os olhos vendados, a boca amordaçada e um forte cadeado a cerrar-lhe o coração.

Resolvi descer a escada e virar à esquerda a caminho da saída. Antes de enfiar pelo túnel fui espreitar o corredor e ao fundo entrei na capela-mor.

Ao cruzar o centro do altar de talha pobre e desbotada avistei, através da porta da sacristia, a sombra de alguém que estava ali de pé, parado. Continuei, andando devagar, para não perturbar qualquer meditação ou leitura íntima.

Na sacristia fui encarar com uma janela alta por onde o sol da tarde entrava docemente, poisava no chão e ia lamber ainda um pouco da parede. Ao fundo havia uma arca velha com gavetas. Tinha-me enganado, não estava ali ninguém. Fiquei a olhar através da vidraça as vertiginosas descidas da serra que lá muito em baixo, muito ao longe, mergulhavam no azul esverdeado do mar.